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Making Violence Visible: Mapeando a Violência contra Mulheres Guarani e Kaiowá no Brasil

29 de Maio de 2021

Em novembro de 2020, o Conselho de Mulheres Guarani e Kaiowá, denominado Kuñangue Aty Guasu, compartilhou seu primeiro relatório documentando os resultados iniciais do projeto em andamento Violence Mapping, ‘Corpos Silenciados, Vozes Presentes’. Realizado no Mato Grosso do Sul, Brasil, desde 2006 o Kuñangue Aty Guasu vem trabalhando com suas comunidades locais, coletando depoimentos sobre os tipos de violência que afetam as vidas das mulheres indígenas Guarani e Kaiowá.

Violações históricas e sistêmicas contra os Guarani e Kaiowá levaram essas comunidades a viverem em um contexto extremamente precário, muitas vezes descrito como a pior crise humanitária enfrentada pelos povos indígenas do Brasil. Décadas de apropriação agressiva dos territórios indígenas tradicionais para expansão da agricultura, e os constantes atrasos do Governo Federal para definir a demarcação oficial das terras Guarani, forçam essas comunidades a viverem em pequenas, super-populosas e pobres reservas. Relatórios recentes demonstraram que essas áreas apresentam os mais altos índices de violência por gênero e sexual entre as comunidades indígenas no Brasil.  

“Violência é um tópico ardentemente debatido durante nossas assembleias anuais”, relatório  dos membros da Kunãngue Aty Guasu. Elas notaram como essa violência é frequentemente “silenciosa” manter entre parênteses também?  normalizada ao ponto de não ser reconhecida pela própria mulher que a sofre. O projeto ‘Mapa da Violência' objetiva apoiar essas mulheres locais, transformando essa narrativa silenciosa da violência em uma narrativa visível da violência, fazendo assim, com que essa possa finalmente ser identificada e trabalhada. Com esse intuito, as mulheres Guarani e Kaiowá juntaram esforços com Dr Jerome Lewis da UCL Anthropology, Fabiana Fernandes do Instituto para o Desenvolvimento da Arte e Cultura (IDAC) e o Laboratório Multimídia de Antropologia da UCL (MAL). Essa parceria, apoiada pelo Fundo de Engajamento Global da UCL, objetiva visualizar os dados reunidos pelas mulheres indígenas, os transformando em um mapa interativo documentando a incidência desse tipo de violência por distribuição geográfica.

O que é Violência contra as Mulheres Guarani e Kaiowá 

Como descrito pelos relatórios do Kunãngue Aty Guasu’s, a violência afetando mulheres indígenas é um fenômeno amplo e complexo, enraizado na marginalização histórica que ainda continuam a enfrentar diariamente, e corrente na intersecção da etnicidade, gênero e crônica precariedade econômica. Essas mulheres indígenas apontam que a única lei objetivando proteger vítimas femininas de violência - Lei 11.340, melhor conhecida como Lei Maria da Penha - não compreende a complexidade do contexto Guarani e Kaiowá, falhando em proteger as mulheres indígenas. Como muitas das formas de violência experienciadas não são contabilizadas pelo sistema legal (karai), o sofrimento delas constantemente escorrega pelas rachaduras do sistema judiciário.

Em ‘Corpos Silenciados, Vozes Presentes’,  são identificadas tanto violência física quanto psicológica contra a mulher, e essas violências são perpetuadas por várias instituições e pessoas - incluindo maridos, namorados, a polícia, instituições públicas, profissionais de saúde e universidades.  Dentre as manifestações da violência, o Conselho de Mulheres destaca a estigmatização da violência sexual nas comunidades indígenas e o consequente silenciamento das sobreviventes de estupros; a  demonização da cultura indígena, pendurada no racismo, que maliciosamente culmina em acusações de bruxaria, ameaças de morte, tortura e assassinato das idosas; a  violência obstétrica amplamente divulgada, caracterizada pela ausência de cuidados apropriados e informação, e intervenções intrusivas e humilhantes, que desrespeitam as delicadas necessidades da cultura indígena; e o confinamento e confisco dos lucros de suas terras.

Esse último ponto é particularmente importante, pois a relação dos Guarani e Kaiowá com suas terras ancestrais é fundamental para suas existências físicas, espirituais e culturais. O Estado Brasileiro, não desejando demarcar os territórios indígenas e reconhecer os seus direitos sobre suas terras, é identificado como principal perpetuador da violência. Grupos de Guarani e Kaiowá têm respondido com as ‘retomadas’ - a apropriação de terras que já foram identificadas como pertencentes ao seu território, mas que continuam na posse de fazendeiros. Tentativas de retomada resultam em violência impiedosa e despejo. As mulheres Guarani e Kaiowá  têm estado à frente dessas lutas, expondo a si mesmas a desafios e riscos singulares.

Tornando a Violência Visível 

Fortalecer a capacidade de respostas lideradas pela comunidade em relação às violências baseadas no gênero é essencial para tornar sua escala visível e divulgá-la, consequentemente facilitando a determinação da mesma para obter justiça social. Esse compromisso foi o que construiu fundamentação para a colaboração voluntária entre as mulheres Guarani e Kaiowá, IDAC e UCL MAL em outubro de 2020, quando trabalharam conjuntamente para o fortalecimento da infraestrutura de comunicação digital, disponível às mulheres Guarani e Kaiowá, a fim de apoiá-las na coordenação online de sua assembleia anual. 

Construída no sucesso dessa primeira colaboração, essa parceria está agora trabalhando para apoiar    os esforços de longo prazo do Kunãngue Aty Guasu no combate às desigualdades de gênero, através da assistência para criação de uma infraestrutura digital para monitorar e tornar visível a violência contra mulher. Mais especificamente, o projeto objetiva desenvolver um mapa interativo para o monitoramento e visualização da incidência da violência de gênero contra as mulheres Guarani e Kaiowá e sua distribuição geográfica. Membros da comunidade também serão apoiados através de treinamentos sobre como utilizar a plataforma digital e o processo de alimentação de dados, especificamente desenhados para aumentar a acessibilidade da comunidade com baixa compreensão escrita e conhecimento digital. 

Essa visualização de dados e sua análise, possibilitada pelo mapa interativo, vai promover um inestimável recurso para os esforços de monitoramento das mulheres Guarani e Kaiowá, permitindo identificar, coletar e disseminar amplamente novos conjuntos de dados nas suas próprias terminologias. Em um contexto em que os desafios culturais e de infraestrutura historicamente excluíram a participação dessas comunidades em pesquisas científicas e o acesso à justiça, este projeto almeja apoiar a capacidade das mulheres Guarani e Kaiowá em representar seus interesses, para desenvolverem medidas mitigadoras acuradas, confidenciais e efetivas no combate às desigualdades e violência de gênero.

“Falar de mulheres Kaiowá e Guarani é urgente, é agora!”

Durante o encontro introdutório, ocorrido em seis de maio, os membros da Kuñangue Aty Guasu explicaram que pesquisar e coletar dados sobre a violência contra mulher as expõe a mais assédios e violência, tanto físicos quanto psicológicos. É importante lembrar que, assim como elas afirmaram, o processo de escrever e falar sobre seus sofrimentos em português é por si só também uma forma de violência. E assim elas escreveram em ‘Corpos Silenciados, Vozes Presentes’:

“O dialeto Guarani e Kaiowá é nossa primeira língua. Português é nossa segunda língua, com a qual nós fomos obrigadas a entender o violento processo de dizimação e colonização dos nossos corpos. Escrever na língua karai (português) também é uma violência, mas é nossa ferramenta de luta […] necessária para expor nosso choro e pedir ajuda.”

(Kuñangue Aty Guasu, Corpos Silenciados, novembro de 2020)

Estas questões destacam a necessidade de uma abordagem de pesquisa profundamente colaborativa, amplificando as visões, estratégias e necessidades das mulheres indígenas na luta contra a violência de gênero. Através do reforço da capacidade das mulheres Guarani e Kaiowá em coletar e analisar dados localmente, coletivamente e de forma autônoma, essa parceria objetiva ir contra a opressão colonial e criar uma rede global de suporte. 

Enquanto essa atividade inicial almeja tratar da desigualdade de gênero e violência contra as mulheres Guarani e Kaiowá, a plataforma e o treinamento oferecido vão contribuir para fortalecer a capacidade da comunidade em responder a outros desafios aos quais estas mulheres são pressionadas. Amplificando as vozes resilientes das mulheres indígenas, essa parceria objetiva contribuir combatendo a desigualdade institucional e a discriminação, e tratar de questões diárias como fome, tratamento da água e saneamento precários e ausência de recursos médicos, questões com as quais comunidades indígenas do Brasil continuam a lidar. Nas palavras de Jaqueline Aranduhá, antropóloga e líder indígena: “Mulheres indígenas lutam pela própria sobrevivência todos os dias. Nós estamos aqui nesse encontro hoje porque ele é para longo tempo, e isto importa.” para mudar o futuro e é isso que importa.

Camilla Rossi, UCL Multimedia Anthropology Lab

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